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Ao alcançar o portão, foi surpreendida pelo
frio. As ruas estavam anormalmente mudas e as fracas luzes provenientes dos
candeeiros públicos projetavam sombras medonhas. Algo se mexia, oculto na
penumbra. Um animal vadio talvez? Marina tinha a sensação de que estava numa
cidade fantasma, como as das histórias das almas penadas, e sentiu um calafrio.
Um pressentimento nebuloso apoderou-se dela; sacudiu o corpo para repeli-lo.
Fechou o casaco até cima para se proteger do frio e pôs as mãos nos bolsos para
mantê-las quentes. Iniciou a marcha.
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Perto de casa, o nevoeiro estreitou-se e
transformou-se numa fresca bruma condensada, que quase lhe gelava os ossos. O
ar estava demasiado pesado e, esporadicamente, ouvia ruídos que faziam lembrar
galhos a partirem-se. Estacou de súbito e pôs-se à escuta, como se estivesse em
alerta vermelho, o máximo da escala de perigo. Susteve a respiração e fechou os
olhos para se concentrar. O som que distinguiu assemelhava-se ao crepitar de
fogo e podia jurar que, por detrás, escutava algo semelhante a gemidos.
Descerrou as pálpebras e ordenou ao seu coração palpitante que abrandasse;
sentia-o a latejar-lhe nos ouvidos com pequenos estalidos. Deu uma volta sobre
si mesma e perscrutou as mechas de nevoeiro em busca da razão para aquele
estado de sítio interior.
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As luzes dos candeeiros mais próximos
piscaram, como que em resultado de uma falha de corrente, e apagaram-se. Uma
gargalhada sinistra ecoou pela noite, fazendo-a recuar com pequenos passos
hesitantes, enquanto retirava a bracelete do pulso e a segurava com firmeza na
mão. De repente, embateu em qualquer coisa com as costas. Sobressaltada, virou-se
rapidamente. De casaco preto a ondular ao sabor do vento, a figura funesta
erguia-se de novo diante dela.
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