No dia 18 de março de 2015 estive na Escola Básica 2, 3 Pedro Nunes de Alcácer do Sal para três sessões de apresentação da história "Almira, a Moura Encantada", com alunos do 2.º e 3.º anos do 1.º ciclo do ensino básico.
Às crianças da primeira turma do 3º. ano propus que recuassem à infância de Almira e da personagem Altis e supusessem que a moura encantada e D. Gonçalo se conheciam, pela primeira vez, por volta dos 5/ 6 anos de idade. Como teria sido esse encontro? Como interfeririam as suas diferenças nesse relacionamento, desde a religião ao seu estrato social? Aqui está o resultado. E digam lá que as crianças não ensinam uma lição a muita gente crescida? ;-)
"O valor da
amizade"
Era
uma vez uma bela menina moura chamada Almira, que morava no castelo de Alcácer
do Sal. Os seus cabelos negros ondulando ao vento e os seus olhinhos verdes
meigos não deixavam ninguém indiferente; até o califa gostava de brincar com Almira.
O
melhor amigo de Almira chamava-se Altis. Juntos, passavam o tempo todo a correr
de um lado para o outro e não havia canto no castelo que lhes escapasse!
A
brincadeira preferida de Altis era a dos cavaleiros: dizia que, um dia, seria
um cavaleiro tão grandioso quanto o seu pai e seria tão bom, que se lembrariam
dele para sempre. Já Almira tocava alaúde e declamava poemas, fingindo ser a
dama do salão.
Um
dia, quando estavam a jogar na rua, ouviram um grande alarido.
-
O que se passa? – perguntou Almira a uma vizinha.
-
Chegou ao castelo um grupo de cavaleiros – respondeu a mulher.
Curiosos,
Almira e Altis apressaram-se a procurar os cavaleiros.
Quando
os encontraram no pátio do castelo, repararam que, com os paladinos, vinha um
menino que devia ter a mesma idade que eles.
Ao
vê-los, o menino correu até eles e, sorridente, disse:
-
Olá, sou o Gonçalo. Posso brincar com vocês?
-
E ao que queres brincar? – perguntou Almira de imediato.
Altis
deu um pulo de susto ao reparar que Gonçalo se vestia de maneira diferente
deles. Puxou o braço de Almira e sussurrou-lhe ao ouvido:
-
Não podemos falar com ele. Ele não é mouro como nós; tem outra religião, vem de
um sítio diferente e tem hábitos diferentes dos nossos.
Almira
ficou pensativa e sem saber o que fazer, pois queria mesmo ser amiga de
Gonçalo.
-
Mesmo que certas coisas sejam diferentes, sou como vocês e só quero brincar –
chateou-se Gonçalo, dando um encontrão a Altis em reprovação ao que dissera.
O
rosto de Altis ficou rosado de irritação. Como se atrevia Gonçalo a empurrá-lo?
Ele ia ver como elas lhe mordiam! Irritado, correu para o celeiro e voltou com
duas vassouras. Passou uma bruscamente a Gonçalo e, com as mãos fincadas nas
ancas, desafiou:
-
Vamos resolver isto com um duelo de vassouras. Se ganhares, ficamos amigos; se
perderes, deixas-nos em paz.
Altis
não precisou dizer mais nada. Gonçalo fletiu os joelhos, assumiu uma pose de
ataque e atirou-se ao adversário.
Quando
Altis deu por si, estava estatelado no chão e a vassoura jazia a seu lado,
inerte como que envergonhada da sua derrota.
-
É isso! – gritou Almira. – Já volto.
Almira
correu até ao celeiro, agarrou numa vassoura para si e em duas pequenas caixas
de madeira e arrastou tudo até junto dos rapazes.
-
Vamos fazer uma batalha a sério, com armaduras e tudo – anunciou, contente.
A
brincadeira durou horas e horas, as diferenças entre eles esquecidas e a
diversão a reinar.
Quando
ficaram cansados, largaram as caixas e as vassouras e correram para a cozinha
do castelo para petiscarem.
Estavam
a lanchar e a conversar quando o pai de Gonçalo chegou. Ao ver o filho na
companhia de dois mouros, zangou-se tanto que as pontas do seu bigode enrolaram
de fúria.
-
O que estás a fazer? Vai já para o teu quarto. Não te quero ver perto destes
dois nunca mais! – berrou.
-
Mas eles são meus amigos – defendeu Gonçalo.
O
pai brandiu o indicador no ar de modo nervoso e acrescentou:
-
Estás de castigo por seres tão teimoso. Já te disse mais do que uma vez que não
te podes dar com os mouros. E agora, quarto!
Gonçalo
acenou aos amigos em despedida e, cabisbaixo, seguiu para o seu quarto com o
pai a repetir o sermão e a insistir que tinha de fazer o que lhe dizia e
portar-se bem.
Nessa
noite, Gonçalo pensou muito no que fazer. Devia desistir dos seus amigos e fazer
o que o pai queria ou devia continuar a ver Almira e Altis?
O
sol chegou cedo e encontrou Gonçalo já a pé. A sua decisão estava tomada.
Dirigiu-se
ao estábulo e ficou a saber que Almira tinha ido com Altis ao bosque colher
bagas para as cozinheiras fazerem uma sobremesa para o califa. Sem pensar duas
vezes, Gonçalo aparelhou o seu pónei e partiu a galope para o bosque.
-
Aqui estão vocês – disse ao encontrá-los.
Altis
franziu o sobrolho, ligeiramente inquieto, e procurou o pai de Gonçalo. Como
não o avistou em lugar algum, perguntou:
-
Tens a certeza que podes estar aqui? Não tens medo que te apanhem?
Gonçalo
desceu do pónei, encolheu os ombros e sorriu.
Almira
deu-lhe a mão e declarou:
-
Ele será sempre bem-vindo junto de nós. A amizade é mais importante que povos,
cores, religiões ou quaisquer outras diferenças.
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