sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O valor da amizade

No dia 18 de março de 2015 estive na Escola Básica 2, 3 Pedro Nunes de Alcácer do Sal para três sessões de apresentação da história "Almira, a Moura Encantada", com alunos do 2.º e 3.º anos do 1.º ciclo do ensino básico.
Às crianças da primeira turma do 3º. ano propus que recuassem à infância de Almira e da personagem Altis e supusessem que a moura encantada e D. Gonçalo se conheciam, pela primeira vez, por volta dos 5/ 6 anos de idade. Como teria sido esse encontro? Como interfeririam as suas diferenças nesse relacionamento, desde a religião ao seu estrato social? Aqui está o resultado. E digam lá que as crianças não ensinam uma lição a muita gente crescida? ;-)

"O valor da amizade"

Era uma vez uma bela menina moura chamada Almira, que morava no castelo de Alcácer do Sal. Os seus cabelos negros ondulando ao vento e os seus olhinhos verdes meigos não deixavam ninguém indiferente; até o califa gostava de brincar com Almira.
O melhor amigo de Almira chamava-se Altis. Juntos, passavam o tempo todo a correr de um lado para o outro e não havia canto no castelo que lhes escapasse!
A brincadeira preferida de Altis era a dos cavaleiros: dizia que, um dia, seria um cavaleiro tão grandioso quanto o seu pai e seria tão bom, que se lembrariam dele para sempre. Já Almira tocava alaúde e declamava poemas, fingindo ser a dama do salão.
Um dia, quando estavam a jogar na rua, ouviram um grande alarido.
- O que se passa? – perguntou Almira a uma vizinha.
- Chegou ao castelo um grupo de cavaleiros – respondeu a mulher.
Curiosos, Almira e Altis apressaram-se a procurar os cavaleiros.
Quando os encontraram no pátio do castelo, repararam que, com os paladinos, vinha um menino que devia ter a mesma idade que eles.
Ao vê-los, o menino correu até eles e, sorridente, disse:
- Olá, sou o Gonçalo. Posso brincar com vocês?
- E ao que queres brincar? – perguntou Almira de imediato.
Altis deu um pulo de susto ao reparar que Gonçalo se vestia de maneira diferente deles. Puxou o braço de Almira e sussurrou-lhe ao ouvido:
- Não podemos falar com ele. Ele não é mouro como nós; tem outra religião, vem de um sítio diferente e tem hábitos diferentes dos nossos.
Almira ficou pensativa e sem saber o que fazer, pois queria mesmo ser amiga de Gonçalo.
- Mesmo que certas coisas sejam diferentes, sou como vocês e só quero brincar – chateou-se Gonçalo, dando um encontrão a Altis em reprovação ao que dissera.
O rosto de Altis ficou rosado de irritação. Como se atrevia Gonçalo a empurrá-lo? Ele ia ver como elas lhe mordiam! Irritado, correu para o celeiro e voltou com duas vassouras. Passou uma bruscamente a Gonçalo e, com as mãos fincadas nas ancas, desafiou:
- Vamos resolver isto com um duelo de vassouras. Se ganhares, ficamos amigos; se perderes, deixas-nos em paz.
Altis não precisou dizer mais nada. Gonçalo fletiu os joelhos, assumiu uma pose de ataque e atirou-se ao adversário.
Quando Altis deu por si, estava estatelado no chão e a vassoura jazia a seu lado, inerte como que envergonhada da sua derrota.
- É isso! – gritou Almira. – Já volto.
Almira correu até ao celeiro, agarrou numa vassoura para si e em duas pequenas caixas de madeira e arrastou tudo até junto dos rapazes.
- Vamos fazer uma batalha a sério, com armaduras e tudo – anunciou, contente.
A brincadeira durou horas e horas, as diferenças entre eles esquecidas e a diversão a reinar.
Quando ficaram cansados, largaram as caixas e as vassouras e correram para a cozinha do castelo para petiscarem.
Estavam a lanchar e a conversar quando o pai de Gonçalo chegou. Ao ver o filho na companhia de dois mouros, zangou-se tanto que as pontas do seu bigode enrolaram de fúria.
- O que estás a fazer? Vai já para o teu quarto. Não te quero ver perto destes dois nunca mais! – berrou.
- Mas eles são meus amigos – defendeu Gonçalo.
O pai brandiu o indicador no ar de modo nervoso e acrescentou:
- Estás de castigo por seres tão teimoso. Já te disse mais do que uma vez que não te podes dar com os mouros. E agora, quarto!
Gonçalo acenou aos amigos em despedida e, cabisbaixo, seguiu para o seu quarto com o pai a repetir o sermão e a insistir que tinha de fazer o que lhe dizia e portar-se bem.
Nessa noite, Gonçalo pensou muito no que fazer. Devia desistir dos seus amigos e fazer o que o pai queria ou devia continuar a ver Almira e Altis?
O sol chegou cedo e encontrou Gonçalo já a pé. A sua decisão estava tomada.
Dirigiu-se ao estábulo e ficou a saber que Almira tinha ido com Altis ao bosque colher bagas para as cozinheiras fazerem uma sobremesa para o califa. Sem pensar duas vezes, Gonçalo aparelhou o seu pónei e partiu a galope para o bosque.
- Aqui estão vocês – disse ao encontrá-los.
Altis franziu o sobrolho, ligeiramente inquieto, e procurou o pai de Gonçalo. Como não o avistou em lugar algum, perguntou:
- Tens a certeza que podes estar aqui? Não tens medo que te apanhem?
Gonçalo desceu do pónei, encolheu os ombros e sorriu.
Almira deu-lhe a mão e declarou:
- Ele será sempre bem-vindo junto de nós. A amizade é mais importante que povos, cores, religiões ou quaisquer outras diferenças.


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